Pântanos e desertos alimentares, obesidade e ciência do cérebro #20
Because the brain forms habits unconsciously, resolutions rarely work.
Studies suggest that relying on will power is hopeless. Instead, we must find strategies that don’t require us to be strong.
Geremy Groopman
Estudo publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health mediu a associação entre taxas de obesidade e a facilidade de acesso a armazéns e mercearias nos 3.141 condados americanos. Cada condado foi classificado como ‘pântano’ ou ‘deserto’ alimentar. Pantanosos são os condados que têm uma extensa rede distribuidora de alimentos calóricos, menos saudáveis ou definitivamente não saudáveis, conhecidos como fast food ou junk food. Em contraste, condados com rede limitada de distribuidores que ofereçam alimentos saudáveis foram denominados de ‘desertos’ alimentares. A base de dados para essa classificação tem 211 indicadores de acesso aos estabelecimentos nesses 3.141 condados. Para simplificar, os indicadores medem a facilidade de acesso a cada tipo de estabelecimento em cada condado.
As evidências até esse estudo apontavam para uma forte associação entre obesidade e viver em área tipificada com deserto alimentar, isto é, baixa número de estabelecimentos vendendo alimentos saudáveis. Moradores de condados classificados como desertos alimentares, com escassa oferta de alimentos saudáveis, têm dieta nutricionalmente mais pobre, o que eleva o risco de obesidade. Em contraste, as pessoas com mais fácil acesso a mercados mais completos tendem a consumir proporções maiores de frutas e verduras, e por isso o menor risco de obesidade.
Essa correlação não foi negada neste estudo. Porém, seus dados revelaram que a obesidade está mais fortemente associada à ampla oferta, ou ao mais fácil acesso, à rede vendedora de alimentos menos saudáveis ou não saudáveis, a junk food. Ou seja, a obesidade é mais bem explicada pela residência em pântanos alimentares do que pela residência em desertos alimentares. Em resumo, embora se soubesse que a prevalência da obesidade estivesse associada a viver em condados tipificados como ‘desertos alimentares’, esse estudo mostra que é ainda mais forte a associação entre prevalência da obesidade e residência em áreas tipificadas como ‘pântanos alimentares’. Essa mais forte associação permaneceu mesmo depois dos devidos ajustes por atividade física e outros fatores sociodemográficos.
Os resultados indicam quais são as ações necessárias para o enfrentamento da epidemia americana de obesidade: facilitar acesso à rede supridora de alimentos saudáveis nos condados em que ela é limitada ou insuficiente, ou seja, é preciso reduzir os desertos alimentares.
Para o estudo, alimentos saudáveis são aqueles que: a) contenham pelo menos um dos maiores grupos (verduras, frutas, grãos e proteínas) em porções recomendadas pelas Diretrizes Dietéticas Americanas de 2010; e b) contenham quantidades moderadas de gorduras saturadas, açúcares adicionados e sódio. Como menos saudáveis ou não saudáveis, os alimentos que contenham gorduras saturadas, açúcar adicionado, sódio, que pouco contribuem para alcançar as recomendações dietéticas.
Aqui que entra a ciência do cérebro. A simples elevação da oferta ou a facilitação do acesso a alimentos saudáveis, embora necessária, pode não ser suficiente para que os residentes de desertos ou pântanos alimentares efetivamente mudem seus hábitos. Não se trata de ‘força de vontade”, will power ou resolutions, como nos lembra G. Groopman, no epiteto acima.
Nossa vida diária é guiada por comportamentos automatizados. Aprender a andar de bicicleta é um esforço consciente, que exige concentração. Uma vez aprendido, o pedalar se torna automático e menos dependente da consciência. É essa automaticidade que nos permite contemplar a paisagem ou deixar os pensamentos divagarem enquanto pedalamos. Os comandos deixam o córtex pré-frontal e o hipocampo, que são as áreas executivas do cérebro, e migram para o putâmen, a parte mais primitiva dele, a parte que carrega as centenas de milhares de anos de evolução. Os hábitos são comandados automaticamente por essa área. Por isso, não basta conhecimento para que mudemos de hábitos. Não basta o desejo ou propósito, sempre necessários, claro. Nossas mentes têm múltiplos mecanismos, independentes e interconectados, para guiar nosso comportamento. Normalmente, somos mais comandados pelo que está incrustrado na parte mais primitiva de nosso cérebro.
Aqui está a explicação, segundo Groopman, do porquê de campanhas educativas para promover escolhas saudáveis em saúde pública tendem a falhar. É porque elas ignoram que são hábitos que governam nosso comportamento, o que comemos, cozinhamos e compramos e não nossa decisão consciente. Por isso, Groopman continua, o caminho para abandonar hábitos ruins não está na determinação da pessoa, nem é questão de força de vontade, mas de reestruturar nosso meio ambiente para formas que sustentem e incentivem comportamentos saudáveis. Isso significa que para alterar hábitos alimentares dos residentes em food deserts ou food swamps não basta ampliar a rede estabelecimentos ou o acesso a alimentos saudáveis; é também importante diminuir os pântanos, o que equivale a dificultar o acesso aos alimentos não saudáveis.
Daqui derivam claras recomendações de políticas. Delas não vamos tratar aqui. Mas a lição importante é que o que não está visível não é desejado.