Covid-19 - Mais severa em países com alto percentual de sobrepeso e obesidade # 23
"Todos os dias, deveríamos ouvir conselhos sobre comer mais verduras e menos batatas fritas, refrigerantes e alimentos processados e caminhar um pouco mais. Isso poderia ter um efeito enorme nos desfechos da covid-19 e na saúde pública em geral."
Dr. Dariush Mozaffarian
Um ano depois dos primeiros casos de Covid-19, nossa sociedade está passando por uma nova e mais intensa fase desta pandemia. Atingimos a triste situação de estarmos entre os países com maior número de mortes por essa doença. A situação está crítica com o colapso dos sistemas de saúde. O sistema colapsa quando há infectados que falecem nas filas à espera por atendimento de emergência, atendimentos esses que não podem ser adiados, nem mesmo por poucas horas.
O acúmulo de casos emergenciais, em muitas cidades ao mesmo tempo, torna insuficiente a infraestrutura leitos hospitalares e de UTIs assim também a disponibilidade de materiais essenciais para os tratamentos. Além da infraestrutura insuficiente, o acúmulo de casos sobrecarrega os profissionais (médicos, enfermeiras, técnicos para manuseio de respiradores e para intubação). A lista de “falta” é grande e é generalizada em todo o País.
É preciso que cada um de nós faça sua parte. Não nos enganemos: o Coronavirus não conhece divisas nem fronteiras; tampouco discrimina pessoas a infectar. Ele se aproveita de desatenção para invadir nosso corpo, se multiplicar velozmente e se inovar continuamente. A maioria das inovações (mutações) desfavorecem o vírus e desaparecem, mas algumas passam a ser mais contagiosas, evadir imunidade ou causar maiores danos aos infectados. Portanto, façamos nossa parte.
O The Economist publicou modelo que estima a chance de o infectado desenvolver forma grave da doença, necessitar de internação ou terminar em morte. Valeu-se de dados de 425 mil americanos infectados que desenvolveram Covid-19 entre março e dezembro de 2020. O modelo evidencia e quantifica a chance de um infectado necessitar internação hospitalar ou terminar em morte, em função da idade, ponderada por comorbidades, entre elas a obesidade. Já era sabido que a severidade é tanto maior quanto mais alta a idade da pessoa infectada. A novidade é medir o peso da obesidade na necessidade de internação ou no óbito. Ilustramos com a probabilidade de internação e óbito de infectado de 80 anos. Se mulher, a probabilidade de morte é de 7,2% e a de internação sem comorbidades, 21%, mas a obesidade eleva para 29%. Se homem, as probabilidades são 12,2% para morte, e para internação, 23% sem comorbidades e 44% com obesidade. Obesidade pesa nessa estatística (sic). Essas probabilidades aumentam à medida em que se acrescentam comorbidades.
Há inúmeros estudos associando a gravidade da Covid-19 a condições crônicas. Outro estudo recente, do Journal of the American Heart Association, baseado em 906.849 hospitalizações nos Estados Unidos, até novembro de 2020. Conclui que 30% podem ser atribuídas à obesidade, 26% à hipertensão, 21% ao diabetes e 12 à insuficiência cardiometabólica. Segundo Mozaffarian, um dos autores do estudo, "A má nutrição é o maior fator contribuinte para doenças em todo o mundo e está contribuindo para a situação da Covid-19... [que] é uma pandemia rápida ocorrendo junto com uma pandemia lenta de obesidade e diabetes."
O Blog # 7, já havia tratado dessa associação, inclusive apontando para a tanto menor eficácia das vacinas (para diversas infecções) quanto maior o Índice de Massa Corporal, IMC. Porém, um IMC muito baixo (<18) é igualmente perigoso, porque a pessoa não teria reservas em seu organismo para enfrentar os efeitos de uma infecção severa. A presença de outras comorbidades, além da obesidade, também aumenta o risco de internação e óbito. Isso é perfeitamente compreensível, as muitas comorbidades crônicas se originam do excesso de peso.
Trata-se de estatística, portanto não informa o que vai necessariamente acontecer com cada pessoa. Informa apenas quais são as chances de desenvolver formas graves da Covid-19 em função da idade e das comorbidades da pessoa infectada. A robustez estatística do modelo vem do fato de ser baseado em 425 mil casos de americanos infectados entre março e dezembro de 2020.
Trazemos a vocês o conteúdo de outro relatório, da World Obesity Federation, celebrado pelo Washington Post. O Relatório mostra inequivocamente a forte associação existente entre IMC e gravidade da Convid-19, em particular, entre esse índice os óbitos. A conclusão: “as taxas de mortalidade são dez vezes mais altas em países em que mais da metade da população está com sobrepeso”. Mostra que 88% (2,2 dos 2,5 milhões) das mortes por Covid-19 registradas até final de fevereiro de 2021 aconteceram em países que têm mais da metade de suas populações com sobrepeso (IMC>25). Esses países têm os maiores números absolutos de mortes e as mais altas proporções de mortes por Covid-19. Maior percentual de sobrepeso não somente eleva o risco de morte, mas também aumenta a necessidade de internação, de UTI, de respiradores e da intubação.
Covid-19 não é a primeira doença infecciosa respiratória. Neste milênio, fomos assolados por inúmeras influenzas, HxNy, MERS, Suína etc. Em todas elas constatou-se que a infecção foi de maior gravidade e teve consequências mais severas nas pessoas obesas, como acontece nesta pandemia - as pessoas infectadas obesas tiveram as maiores taxas de internação, demandaram mais leitos de UTI, necessitaram de respiradores e de intubação e tiveram mais alta taxa de mortes.
As conclusões deste relatório estão apoiadas em centenas de estudos, 40 revisões sistemáticas da literatura e quase 20 meta-análises publicadas, todas reafirmando a maior necessidade de serviços médicos e hospitalares no tratamento de infectados pela Covid-19 que apresentam sobrepeso ou obesidade. Reconhece que fatores geográficos, socioeconômicos, capacidade de registro e reportagem afetam a correlação. Porém, essa se manteve mesmo depois de ponderadas. Em suma, a correlação se manteve nos mais de 160 países incluídos no estudo.
Vale ainda mencionar que o trabalho estimou a correlação entre óbitos por Covid-19 e hábitos de vida (atividade física e alimentos). Como era de se esperar, constatou correlações significativas entre óbitos e 1) insuficiente atividade física; 2) consumo de gorduras animais; 3) açúcares; 4) bebidas edulcoradas; 5) óleos vegetais. Em contraposição foi inversa a correlação entre óbitos e 1) consumo de leguminosas e 2) consumo de tubérculos.
É fácil entender a explicação dessas associações: no primeiro grupo, porque são fatores indutores de obesidade e as negativas porque constituem o grupo dos alimentos saudáveis, de baixo conteúdo energético, portanto contribuintes para a manutenção do IMC na faixa adequada.
Mozaffarian recomenda que "Todos os dias, deveríamos ouvir conselhos sobre comer mais verduras e menos batatas fritas, refrigerantes e alimentos processados e caminhar um pouco mais. Isso poderia ter um efeito enorme nos desfechos da covid-19 e na saúde pública em geral."
Precisamos de outro estímulo ainda mais poderoso para mudarmos de hábitos?
Fonte:
Dariush Mozaffarian é cardiologista americano, Decano e Professor de Nutrição e de Medicina da Universidade de Tufts. Autor de mais de 400 artigos científicos publicados. Serviu como conselheiro dos Governos dos Estados Unidos e do Canadá, da American Hart Association, da OMS e da ONU.
One size fits few - Our covid-19 model estimates odds of hospitalisation and death | Graphic detail | The Economist. Pandemic mortality - Covid-19 cases can be shaped by medical conditions and demography | Graphic detail | The Economist
COVID-19-and-Obesity-The-2021-Atlas.pdf (worldobesityday.org)